Evolução Histórica da Farmácia: Do físico-mor aos boticários locais

Era o chamado físico-mor do reino o responsável máximo de tudo o que envolvia a profissão farmacêutica e o exercício das profissões sanitárias em geral, apesar de outras entidades, nomeadamente as autoridades municipais, também terem tido algumas responsabilidades neste campo. Já a área das epidemias e da salubridade estava atribuída à figura do provedor-mor da saúde.

O físico-mor era escolhido pelo rei entre os médicos da casa real e regia-se por regimento próprio, vigorando durante mais tempo o de 1521. Apenas durante o curto período de 1782 a 1809 existiu, antes do Liberalismo, um órgão colegial responsável pela administração médico-farmacêutica, a Junta do Proto-Medicato, constituída por sete deputados, médicos e cirurgiões da Casa Real. O lugar de físico-mor só foi definitivamente extinto em 1836.

A Misericórdia de Lisboa, as Caldas da Rainha e o Hospital de Todos-os-Santos

Em finais do século XV e princípios do século XVI foram pensadas, para o país, um conjunto de três grandes instituições de assistência, as Caldas da Rainha, a Misericórdia de Lisboa e o Hospital de Todos-os-Santos. Dessas três instituições, duas contaram com boticários próprios desde o início. No hospital de Todos-os-Santos, o respetivo regimento determinava a existência de um boticário e três ajudantes, que deveriam viver dentro do próprio hospital. O Hospital das Caldas foi fundado em 1485 e já estava a funcionar em 1488, contando desde os primeiros tempos com a possibilidade de abrigar mais de cem camas. O pessoal era numeroso e incluía um boticário, que tinha de exercer no próprio hospital durante os seis meses em que este se encontrava aberto.

Os partidos municipais

A falta de boticários nas localidades mais pequenas levou ao aparecimento dos partidos municipais. Estes partidos, que abrangiam igualmente outras profissões como os médicos e os cirurgiões, surgiram em meados do século XVI e difundiram-se um pouco por todo o país. As condições variavam de acordo com a localidade, mas em geral consistiam na atribuição de uma quantia, retirada dos rendimentos do próprio concelho e definida em valor monetário ou em géneros, ao boticário que aceitasse estabelecer-se na localidade, residindo nela e mantendo botica aberta. Por vezes eram exigidas algumas contrapartidas, como o fornecimento gratuito de medicamentos aos mais necessitados ou o fornecimento em condições vantajosas ao hospital local.

Cristãos-novos e cristãos-velhos como boticários

Os boticários portugueses dos séculos XVI a XVIII apresentam uma grande linha de divisão entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Os médicos e boticários, muito abundantes entre os descendentes dos judeus convertidos à força ao catolicismo, no reinado de D. Manuel, foram um dos alvos preferidos das campanhas de intolerância religiosa. O ódio aos cristãos-novos crescia entre as camadas sociais não privilegiadas, devido à apreciável concentração de riqueza dentro desse grupo. No caso das profissões ligadas à saúde, há também a considerar o grande peso da religião nas crenças terapêuticas, sendo natural que as populações cristãs-velhas desconfiassem da ação de medicamentos vindos das mãos de quem eles consideravam falsos cristãos. Desde 1525, que foram apresentadas nas Cortes petições para que os cristãos-novos fossem proibidos de ser boticários, a par do pedido de que as receitas médicas não pudessem ser redigidas em latim. Em 1565, os boticários de Lisboa foram mesmo proibidos de ter praticantes cristãos-novos nas suas boticas, mas esta medida não terá sido seguida à risca, pois continuaram a encontrar-se praticantes e boticários cristãos-novos nesta cidade ao longo dos dois séculos seguintes. Além da discriminação profissional, ainda há a considerar a perseguição direta. Só no tribunal de Évora, os processos de boticários somam a meia centena desde o século XVI até finais do século XVIII.

Outras mulheres boticárias

Depois do fenómeno singular de uma mulher boticária, em Lamego, já no início do século XIV, também nos séculos XV e XVI surgem outras referências a mulheres boticárias, ligadas a senhoras da alta nobreza, a quem serviam como responsáveis pelas respetivas boticas e de manipuladoras de medicamentos preparados que utilizavam técnicas afins, como as conservas. *Curiosidades históricas selecionadas a partir da obra ‘A Farmácia e a História’ de José Pedro Sousa Dias

 

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