A medicina clássica grega: O culto de Asclépio

A Medicina racional grega não implicou uma rutura com as crenças mágico-religiosas, mantendo-se um florescente culto a Asclépio, depois latinizado como Esculápio. Asclépio é filho de Apolo e da ninfa Coronis. Como deus solar (não o deus do sol: Hélios), Apolo é também deus da saúde (Alexikakos), devido às propriedades profiláticas do sol. O facto de Apolo ter tirado o filho do ventre da mãe no momento em que esta se encontrava na pira funerária, confere-lhe o simbolismo de deus da medicina logo à nascença: a vitória da vida sobre a morte. A arte da medicina foi-lhe ensinada pelo centauro Quíron e uma serpente ensinou-lhe como usar uma certa planta para dar vida aos mortos. Acusado de diminuir o número dos mortos, Asclépio foi morto por um raio de Zeus. Esta saga heroica, cantada pelo poeta Píndaro (ca.522-443a.C.), traduziu-se depois na deificação de Asclépio, transformado em Deus e tornado imortal por vontade divina. O seu culto terá começado em Epidauro, mas também existiam templos ou santuários (asklépieia) em outros locais, como Kos, Knidos e Pérgamo, onde os sacerdotes se dedicavam à cura de doentes. Asclépio é representado com o caduceu, bastão com uma serpente enrolada. Dos filhos de Asclépio e de Epione são particularmente importantes: Panaceia e, principalmente, Higeia, que foi intimamente associada ao culto a seu pai.

A cura nos templos

A cura nos templos de Asclépio era feita através da incubatio, que consistia em os doentes passarem a noite no templo, normalmente em grupo, onde eram visitados individualmente pelo deus nos seus sonhos. Este curava-os dando-lhes indicações a seguir no seu tratamento ou praticando um milagre, que tomava a forma de uma administração de medicamentos ou de um ato cirúrgico, praticado pelo próprio deus. O enorme número de pedras votivas encontradas nas imediações dos templos, agradecendo a intervenção e a cura dos deuses, mostra que a crença no seu culto era muito difundida e foi muito persistente no tempo. Também é interessante referir que as pedras votivas referem diferentes intervenções de Asclépio em diversos períodos. Assim, nas pedras encontradas em Epidauro e datando do Séc. IV a.C., a intervenção de Asclépio é feita prestando diretamente cuidados curativos, enquanto nas de Pérgamo, datando do Séc. II d.C., ele se limitava a indicar qual a prescrição a ser seguida pelo doente quando saísse do templo. A ausência de incompatibilidade entre a medicina racional grega e o culto de Asclépio é atestada pelo facto de este ser geralmente considerado o patrono dos médicos, um papel que seria anterior ao da difusão do seu culto como deus. O próprio juramento de Hipócrates se inicia com a invocação aos deuses: «Juro por Apolo médico, por Asclépio, por Higeia e Panaceia, por todos os deuses e deusas, fazendo-os minhas testemunhas, que eu cumprirei inteiramente este juramento de acordo com as minhas capacidades e discernimento». O voto de pureza do juramento é também uma estatuição presente numa inscrição epigráfica em Epidauro: «Puro deve ser aquele que entra neste fragrante templo».

Bases filosóficas da Teoria dos Humores

A preocupação com a explicação da saúde e da doença sem ser em bases sobrenaturais nasce com a filosofia grega e a sua busca de uma explicação da constituição da natureza. Alcméon (fl. 535 a.C.) foi o primeiro a caracterizar a saúde como um equilíbrio no corpo humano de qualidades opostas, como o frio e o quente, o húmido e o seco, o doce e o amargo, e a caracterizar a doença como o predomínio de uma delas, baseando-se para isso na ideia de Pitágoras (560-480 a.C.) sobre o equilíbrio baseado em proporções numéricas definidas.

Desenvolvendo as teorias de outros filósofos sobre a importância da água ou do fogo como elementos base na constituição da matéria, Empédocles (492-432 a.C.) definiu os quatro elementos, terra, água, ar e fogo, como sendo os constituintes de todas as coisas, as quais variavam entre si na proporção em que entrava cada um desses elementos. Para ele, a doença era provocada por desequilíbrio entre esses elementos na constituição do corpo humano.

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