A medicina greco-romana

Dioscórides

Pedáneo Dioscórides (fl. 50-70) nasceu em Anazarbo, próximo de Tarsos, terá estudado Medicina em Tarsos e em Alexandria, e acompanhou as legiões romanas, provavelmente como médico, na Ásia Menor, em Itália, Grécia, Gália e Espanha, no tempo de Nero. É considerado o fundador da Farmacognosia através da sua obra De materia medica, nome pelo qual ficou conhecida na sua tradução latina. Dividida em cinco livros, nela se descrevem cerca de 600 plantas, 35 fármacos de origem animal e 90 de origem mineral, dos quais só cerca de 130 já apareciam no Corpus Hippocraticum e 100 ainda são considerados como tendo atividade farmacológica. A sua influência foi enorme até ao século XVIII, existindo inúmeras traduções do grego para um grande número de línguas.

Dioscórides não seguiu nenhuma escola ou sistema médico em particular. A sua obra é essencialmente de caráter empírico e manteve-se afastada das controvérsias médicas do seu tempo. Apesar disso, ele procurou desenvolver um método para observar e classificar os fármacos testando-os clinicamente. Este método, patente na sua forma de organizar e classificar os fármacos pelas suas afinidades, observadas através da ação no corpo humano, foi inteiramente esquecido nos séculos seguintes pelos editores e comentadores da sua obra, que a reorganizaram, colocando os fármacos por ordem alfabética. A historiografia estabeleceu que Plínio e Dioscórides desconheciam os trabalhos um do outro, sendo algumas semelhanças entre as duas obras originadas pelo facto de terem utilizado uma mesma fonte, a De materia medica de Sextius Niger.

Galeno

Galeno (129-200) nasceu em Pérgamo quando esta era colónia romana e aí estudou Medicina. Foi médico de gladiadores e foi viver para Roma em 161, onde veio a atingir uma posição conceituada, vindo a ser nomeado médico do filho do imperador Marco Aurélio, Cómodo, que foi igualmente imperador em 180. Galeno baseou-se na Medicina hipocrática para criar um sistema de patologia e terapêutica de grande complexidade e coerência interna.

Galeno escreveu bastante sobre farmácia e medicamentos, apesar de nas suas obras se encontrarem apenas cerca de quatro centenas e meia de referências a fármacos, menos de metade do que se pode encontrar na obra de Dioscórides.

Do ponto de vista farmacêutico, a grande linha de força do galenismo foi a transformação da patologia humoral numa teoria racional e sistemática, em relação à qual se tornava necessário classificar os medicamentos. Assim, tendo em vista utilizar os medicamentos que tivessem propriedades opostas às da causa da doença, Galeno classificou-os em três grandes grupos, segundo um critério fisiopatológico humoral: o primeiro grupo incluía os simplicia, aqueles que possuíam apenas uma das quatro qualidades, seco, húmido, quente ou frio. O segundo grupo era o dos composita, quando possuíam mais do que uma das qualidades, e, por fim, o terceiro grupo incluía os que atuavam segundo um efeito específico inerente à própria substância como os purgantes os vomitivos e outros. Foi na forma de galenismo que a Medicina greco-romana passou para o Ocidente cristão, dominando a Medicina e a Farmácia até ao século XVII e mantendo ainda uma grande influência mesmo no século XVIII.

A aplicação dos medicamentos na terapêutica galénica dependia de vários fatores, como a personalidade do doente, a sua idade, a raça e o clima, que afetavam a própria natureza da mistura (krasis) dos humores no corpo humano. O temperamento das crianças seria mais sanguíneo e o dos idosos mais fleumático, pelo que os primeiros necessitariam de um medicamento frio em maior grau que os últimos para o tratamento de uma febre. Esta preocupação tinha principalmente a ver com o tipo de medicamento ministrado, com as suas propriedades (qualidades) e respetiva intensidade, na medida em que a dose não seria tão importante, dado que a propriedade do medicamento era um atributo essencialmente qualitativo e não quantitativo.

A utilização de drogas e especiarias na Antiguidade

Para a determinação das qualidades, tanto presentes nas doenças como nos medicamentos, a patologia e a farmacologia galénicas recorriam aos caracteres organoléticos, principalmente ao sabor e ao odor. Assim, aos quatro gostos primários, amargo, azedo, salgado e doce, correspondiam respetivamente os pares de qualidades quente e seco; seco e frio; frio e húmido e húmido e quente, na patologia galénica. Na farmacologia, encontra-se a mesma correspondência, à exceção do gosto salgado, que era usualmente quente e seco.

Naturalmente, as especiarias, pelas fortes perceções gustativas e olfativas causadas, não só se tornavam mais fáceis de classificar como evidenciavam uma forte atividade farmacológica. Assim, segundo Galeno, os coentros tinham uma qualidade moderadamente quente, por serem ligeiramente doces e adstringentes. Neste quadro teórico, é fácil de compreender a utilização terapêutica da pimenta nas dores de cabeça. Sendo uma droga quente e seca, seria adequada para o tratamento de afeções provocadas por uma concentração excessiva de linfa (fria e húmida) na cabeça. Este tratamento é descrito numa conhecida passagem da Crónica de D. Dinis. A uma dona da Rainha D. Isabel que padecia de «huma dor muy má, que lhe vinha a tempos», era-lhe lançada «pimenta muyda pelos narizes», depois de atada de pés e mãos.

Desde a Antiguidade que as especiarias são utilizadas na terapêutica. O Corpus Hippocraticum refere-se à utilização medicinal de várias especiarias, como a pimenta, o cardamomo, o gálbano, o incenso, a mirra, os cominhos, o anis, o tomilho, os coentros, a hortelã e o alho. No séc. I, Plínio o velho descreveu os aromata utilizados como condimentos, bem como na confeção de perfumes e medicamentos, originários da Índia, Arábia, Etiópia, Norte de África e Síria. Além de Plínio, a outra grande fonte de informação sobre especiarias foi Dioscórides. As informações recolhidas por Plínio e Dioscórides serviram de base, não só aos escritos de Galeno, mas também de autores médicos bizantinos como Oribasius de Pérgamo (ca. 325-403), médico do imperador Juliano, Caelius Aurelianus (fl. 350-400), Aëtius de Amida (fl. 520-560), Alexandre de Tralles (ca. 525-605) e Paulo de Egina (ca. 625-690), que difundiram o uso de especiarias orientais e africanas no receituário médico.

A grande utilização das especiarias pode ser vista através do índice dos formulários dos séculos I a X, publicado por Opsomer. A pimenta, por exemplo, só não aparece em 14 dos 64 textos indexados, sendo referida mais de 1600 vezes. O aloés é referido quase 600 vezes e o amomo cerca de 130. As especiarias referidas incluem o bdélio, o cálamo-aromático, o cardamomo, o cravo, a canela, o gálbano e muitas outras. Várias especiarias anteriormente conhecidas, como o benjoim, a galanga, a noz-moscada e o sândalo, não teriam utilização medicinal, pelo que não são referidas nestes formulários. Aëtius referiu-se na sua enciclopédia médica, Tetrabiblion, ao cravo, ao costo, ao espiquenardo, ao sândalo, ao cálamo-aromático e às Nuces Indicæ, como ingredientes do Suffumigium moschatum.

Panel Heading

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat. Duis aute irure dolor in reprehenderit in voluptate velit esse cillum dolore eu fugiat nulla pariatur. Excepteur sint occaecat cupidatat non proident, sunt in culpa qui.