Farmácia, Medicina e Humanismo
Farmácia, Medicina e Humanismo
O Humanismo Médico
O Humanismo médico é a corrente final do Galenismo. O interesse pelo retorno às fontes gregas clássicas, característico do Renascimento, levou a que o Humanismo médico tomasse uma forma particularmente militante contra a corrente dominante durante a Idade Média – o Galenismo arabizado. Contudo, ambas as correntes partilhavam o mesmo núcleo duro teórico – a Teoria dos Humores – e as polémicas com a medicina árabe visaram principalmente a busca da pureza hermenêutica da literatura greco-romana. Desta forma, observa-se um enorme desenvolvimento da investigação filológica dos textos clássicos, que origina a fixação da terminologia científica, baseada na raiz etimológica greco-latina. Esta preocupação pela fiel interpretação dos textos, aliada ao desenvolvimento da tipografia, leva a uma enorme difusão da literatura médica e à edição de novos textos latinos de Hipócrates, Galeno e Dioscórides.
O desenvolvimento da Anatomia
A única área onde se observa alguma tensão entre o Humanismo médico e a Medicina clássica é a do desenvolvimento da Anatomia. Esta sofreu um importante impulso, proveniente das artes. Desde o século XV que pintores e escultores demonstraram um grande interesse pela anatomia e contribuíram com uma nova atitude de representação do natural. Para estes artistas não era possível representar o exterior do corpo humano sem um conhecimento do seu interior. Esta atitude encontra-se patente na obra de Leonardo da Vinci (1452-1519), Albrecht Dürer (1471-1528), Miguelangelo (1475-1564) e Rafael (1483-1521). São particularmente indicativos os apontamentos anatómicos de Leonardo da Vinci, desenhados entre 1489 e 1514. Nos seus trabalhos de dissecção anatómica, ele colaborou diretamente com Marco Antonio della Torre, que viria a ensinar Medicina em Pádua. Colaboração de tipo semelhante foi desenvolvida entre 1547 e 1559, por Miguelangelo e o anatomista Realdo Colombo (f. 1559). O renascimento da anatomia iniciou-se com a publicação da edição latina da primeira parte dos Procedimentos Anatómicos (1529 e 1531), o tratado de métodos e técnicas anatómicas de Galeno. Este tratado revelou um Galeno com um método mais racional e com uma técnica descritiva superior à dos autores medievais, o que aumentou a confiança e a perícia dos anatomistas e continha em si um programa de investigação, porque Galeno, por falta de cadáveres humanos, utilizara macacos e outros animais, mas indicara o estudo preferencial com humanos e aconselhara os estudiosos a fazerem as suas próprias observações. Daqui resultou um apreciável número de textos na senda da observação pessoal e original. O mais importante de todos foi o De Humani Corporis Fabrica (1543). O seu autor, Andreas Vesalius (1514-1564) nasceu em Bruxelas, filho de um farmacêutico do imperador Carlos V. Estudou em Lovaina e Paris. Foi seu mestre Gunther von Andernach, tradutor da mais influente edição dos Procedimentos anatómicos (a de 1531). Em 1537, depois de uma curta passagem por Lovaina, foi convidado para ensinar em Pádua, onde foi nomeado professor de cirurgia e anatomia. Aí levou a cabo o programa galénico de observação anatómica, tonando-se mais crítico da sua anatomia por volta de 1539, quando se convenceu que o autor greco-romano só realizara dissecções em animais. A sua De Humani Corporis Fabrica, preparada entre 1540 e 1542, inclui uma crítica sistemática à anatomia de Galeno, assente na observação pessoal e direta do corpo humano. Apesar das suas críticas às descrições morfológicas de Galeno, tanto Vesalius como os restantes autores renascentistas, não atacaram a fisiologia galénica, mesmo quando esta se baseava em aspetos estruturais que eles negavam.
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