Contributos portugueses para a vacina contra a infeção por Covid-19
Para fazer face ao coronavírus Covid-19 havia, a meio do mês de maio, cerca de 115 vacinas em estudo, um pouco por todo o mundo, entre universidades, centros de pesquisa e a força produtiva da indústria da saúde. Esta informação carece de atualização dia a dia, porque a todo o instante chegam notícias das múltiplas ações entre privados, governos e instituições académicas. Em causa estão múltiplos fatores, para cientistas, gestores e governantes de todo o mundo, desde a questão das mutações do vírus à comercialização de uma futura vacina. Apesar dos esforços desta indústria e de parte dos cientistas do planeta, não há ainda previsão de uma vacina no mercado com distribuição global e efetiva, prevendo-se entre 12 a 18 meses até à concretização, entre testes e desenvolvimento. Portugal está também a dar o seu contributo, nomeadamente em termos de investigação científica.
Portugal tem conhecimento científico
Portugal não possui os meios financeiros para desenvolver uma pesquisa e produção científica tão dispendiosa, mas tem tecnologia e conhecimento que lhe permite levar a cabo projetos de investigação importantes, sendo que alguns dos trabalhos que estão a ser desenvolvidos nos centros nacionais de Ciência podem ser importantes para a descoberta da vacina. Os cientistas portugueses contam-se, portanto, entre os seus pares na investigação da Covid-19, em múltiplos projetos dignos de nota.
Portugal e Israel
Cientistas de Portugal e de Israel já tinham desenvolvido uma plataforma de nanovacinas que tinha estimulado a resposta imunitária contra o melanoma. Agora, essa equipa pretende adaptar esta plataforma à Covid-19 e tentar assim desenvolver uma nanovacina para a doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Neste momento, criou já cinco candidatas a essa vacina e está a avaliar a sua resposta imunitária em ratinhos. O grande objetivo é encontrar uma candidata à vacina e começar os ensaios clínicos em 2 anos. A 19 de maio, a Fundação La Caixa anunciou um financiamento de 300 mil euros para este projeto. O ventilador pulmonar Atena, do português CEiiA (Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto), foi igualmente financiado em 300 mil euros.
Em agosto de 2019, o laboratório de Helena Florindo (da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa) e o de Ronit Satchi-Fainar (da Universidade de Telavive) apresentaram num artigo na revista Nature Nanotechnology os resultados da nanovacina que desenvolveram, combinando-a com dois anticorpos e um fármaco. Tinham conseguido aumentar significativamente o efeito da ativação do sistema imunitário no combate às células cancerosas. Essas experiências foram feitas em ratinhos com melanoma e revelaram uma “notável inibição do crescimento do tumor”. A mesma estratégia está também a ser testada noutros tipos de cancro, como o da mama. Agora, a mesma equipa quer utilizar essa plataforma para desenvolver uma nanovacina para a Covid-19, esperando que esteja pronta para ensaios clínicos num máximo de dois anos.
Para além da meta de chegar à fase de ensaios clínicos, o presente financiamento vai também permitir desenhar o modelo de negócio para a sua comercialização, segundo os investigadores. Depois, na prática dos ensaios clínicos e da comercialização, será necessário um investimento financeiro bastante mais significativo. Ao todo, a Fundação La Caixa vai distribuir 1,8 milhões de euros por quatro projetos espanhóis e dois projetos portugueses para investigação ligada à Covid-19.
O país vai participar nos ensaios clínicos
Portugal vai participar nos ensaios clínicos de vacinas contra a Covid-19, promovidos pela Agência Europeia do Medicamento e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com o porta-voz do Infarmed, a Autoridade Nacional do Medicamento, “as autoridades de saúde já conhecem os requisitos para a escolha dos portugueses que participarão, mas ainda ninguém foi selecionado”. De acordo com a CEPI, um consórcio internacional criado em 2017 em Davos para promover a investigação de vacinas, há neste momento 115 protótipos em desenvolvimento, cinco dos quais se encontram já na fase de ensaios clínicos.
Uma plataforma de cientistas na Europa
A iniciativa chama-se Crowdfight Covid-19, e pretende pôr a comunidade científica ao serviço desta pesquisa. Nesta plataforma online, cientistas que já estejam a investigar a Covid-19 podem pedir ajuda para alguns desenvolvimentos e outros cientistas podem oferecer a sua colaboração.
Esta iniciativa veio de um pequeno grupo de investigadores do Centro Nacional de Investigação Científica francês (CNRS), da Universidade Rei Juan Carlos (em Espanha) e do Instituto Max Planck (na Alemanha). Entretanto, cientistas de muitas outras instituições científicas tornaram-se “pontos de contacto” deste serviço. Em Portugal, esse contacto é Gonzalo de Polavieja, investigador do Centro Champalimaud, em Lisboa. Esta plataforma é gratuita e funciona graças a cientistas que contribuem com o seu tempo e capacidade nestes tempos de emergência.
Instituto Gulbenkian de Ciência
Outro tipo de trabalho está a ser desenvolvido por investigadores como Jocelyne Demengeot, imunologista e investigadora principal no Instituto Gulbenkian de Ciência, que lidera uma pesquisa junto de profissionais de saúde que estão na linha da frente, em contacto direto com os doentes, e procura perceber se as características genéticas de cada pessoa podem estar na base das diferentes reações ao vírus.
Serology4Covid
Tentar perceber o grau de imunidade da população portuguesa é outro dos objetivos de vários projetos em curso em Portugal. Um desses projetos é o consórcio Serology4Covid, que envolve cinco institutos de investigação científica da Grande Lisboa: o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), o Instituto de Medicina Molecular (iMM), o Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC) e o Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), ambos pertencentes à Universidade Nova de Lisboa, e ainda o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBet).
Este consórcio está a desenvolver um teste serológico para a Covid-19, a um preço acessível e que possa ser utilizado à escala nacional em estudos epidemiológicos, para se perceber a extensão da imunidade na população, e encontrar novas estratégias para controlar a propagação e minimizar as suas consequências para a saúde, sociedade e economia. O trabalho dos investigadores está praticamente concluído, faltando encontrar um laboratório que produza os testes em larga escala e a preços acessíveis.
A Fundação Champalimaud está a desenvolver um trabalho idêntico junto de 600 enfermeiros e assistentes operacionais dos hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e Santo António, no Porto.
O genoma e as suas mutações
Outra frente da investigação científica sobre o vírus causador da pandemia passa pela sequenciação do genoma do vírus, ou seja, identificar as mutações que o vírus sofreu ao longo do tempo e tirar uma espécie de impressão digital do vírus que infetou os portugueses.
Este trabalho, que está a ser feito em parceria entre o Instituto Ricardo Jorge (INSA), o Instituto Gulbenkian de Ciência e Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S). O estudo permite perceber as cadeias de transmissão, identificar onde surgiu o surto e como evoluiu, e também se há linhagens mais agressivas que outras, uma recolha de informação essencial na investigação da vacina.
No Instituto Gulbenkian de Ciência decorrem ainda outros projetos que podem ser úteis na busca da vacina. Maria João Amorim, virologista, e Isabel Gordo, especialista em biologia evolutiva, procuram conhecer o vírus tal como existe/se manifesta neste momento, e de que forma irá evoluir. Miguel Soares e Luis Moita estão a estudar a resposta imunitária e a tolerância à doença em cada fase da sua evolução.
Instituto de Medicina Molecular
Referindo outros contributos, além de pesquisas diretas para uma vacina, é de notar o caso do Instituto de Medicina Molecular (IMM), que sob a direção de Maria Manuel Mota, juntou um grupo de voluntários, e produziu um kit de diagnóstico para a doença, usando a tecnologia que é aplicada ao parasita da Malária, para dar resposta à falta de testes. O IMM criou também um banco de amostras, o Biobanco Covid-19, onde voluntários e médicos recolhem amostras de doentes desde o momento em que lhes é diagnosticada a doença. A ideia foi a de recolher amostras nestas pessoas, de forma longitudinal, ao longo do tempo, para permitir que os investigadores formulem algumas questões: o que é o vírus, como é o vírus, como interage com o hospedeiro, porque corre mal em certas pessoas e noutras não. Para as amostras se manterem durante mais tempo, e poderem ser estudadas por todos os envolvidos, foi necessário um processo de congelação que contou com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
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