Dia Europeu dos Antibióticos

 Antibióticos: o panorama quase um século depois da descoberta

O Dia Mundial (e europeu) dos Antibióticos celebra-se anualmente a 18 de novembro, com a intenção de alertar para os riscos de uma utilização incorreta dos mesmos e o perigo das resistências antimicrobianas. Em 2019, em Estocolmo, houve um grande evento de discussão e sensibilização para esta problemática, que este ano continuará a ser assinalada com campanhas online e nos media.

A discussão pública, na Europa, visa que instituições governamentais, organizações profissionais e de pacientes, representantes de países e media, debatam a situação atual em relação à resistência a antibióticos e às ações tomadas para enfrentá-las, por todas as partes interessadas, ao nível da União Europeia e de cada estado-membro.

Antibióticos: como apareceram?

Este tipo de medicamento apareceu no século XX e a penicilina, o primeiro de todos, foi descoberto por Alexander Fleming, em 1928.

Ao observar que nos meios de cultura crescia bolor (Penicillium), em torno do qual não se desenvolviam bactérias, Fleming chegaria à conclusão de que o bolor produzia algo que impedia o crescimento das bactérias, nascendo assim o primeiro antibiótico. A partir da década de 40 a penicilina começou a salvar vidas e os antibióticos mudaram a forma de tratar as infeções bacterianas: aumentaram a esperança média de vida e revolucionaram a medicina ocidental.

Os antibióticos são, portanto, substâncias químicas, naturais (produzidas por fungos ou bactérias) ou sintéticas, que têm a capacidade de impedir a multiplicação das bactérias ou de as eliminar.

Fazem parte dos antimicrobianos, designação que pretende englobar todas as substâncias químicas com atividade sobre os diferentes micro-organismos. Para outros tipos de ‘agentes invasores’, que não bactérias, foram desenvolvidos antivirais, antifúngicos ou antiparasitários.

Existem centenas de antibióticos, embora estes possam ser categorizados em oito grandes grupos segundo a sua estrutura química de base. Os vários tipos atuam em relação a bactérias distintas, pelo que é fundamental ser o médico a prescrever o antibiótico adequado para o tratamento de determinada doença.

O uso dos antibióticos está apenas indicado em infeções diagnosticadas como sendo causadas por bactérias, pois não têm qualquer efeito contra os vírus, sendo por isso inúteis para tratar gripes ou constipações. O que pode confundir os pacientes é que estas últimas acarretam, por vezes, outras infeções associadas (ou ‘oportunistas’), como faringites, entre outras, que podem precisar de antibiótico por serem de origem bacteriana.

Desafios e perigos atuais

Já em 1945, quando Fleming recebeu o Nobel da Medicina, viria alertar para o facto de que algumas bactérias se tornariam resistentes à ação da penincilina. Uma das grandes questões da saúde pública no mundo atual tem precisamente a ver com isso. Um antibiótico que não seja adequado para o tratamento de determinada patologia, além de não a tratar e eliminar flora bacteriana normal, pode levar a que as bactérias que provocaram a infeção se adaptem e não sejam eliminadas – o que pode contribuir também para que se desenvolva uma resistência à ação dos antibióticos.

Dito de outra forma, quando tomamos um antibiótico, as bactérias existentes no nosso corpo que são sensíveis a esse antibiótico acabam por morrer.

No entanto quando se multiplicam, algumas bactérias sofrem modificações (mutações) que as tornam resistentes ao antibiótico. As bactérias filhas, que se vão multiplicando, também são resistentes, fazendo com que o antibiótico deixe de atuar.

Todos os antibióticos podem dar origem ao desenvolvimento de bactérias resistentes. Quanto mais um antibiótico for utilizado, maior é a possibilidade de vir a existir resistência à sua ação.

Os antibióticos não são apenas usados no tratamento de infeções nos humanos. Também são usados em animais, podendo assim estar presentes em quantidades pequenas nos produtos animais e vegetais.

No âmbito da pandemia por Covid-19, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou para o perigo da utilização excessiva destes medicamentos durante a pandemia, que podem aumentar as taxas de resistência e criar um problema de saúde pública. De acordo com a instituição, “muitos indivíduos que apresentam doença leve sem pneumonia, ou doença moderada com pneumonia, recebem antibióticos”. Os dados apresentados referem que 72% dos doentes são tratados com estes medicamentos, mas apenas 8% demonstraram coinfecções que justificassem a opção médica.

Em 2016 a OMS publicou um relatório que estima que até 2050, se nenhuma medida for tomada, as superbactérias resistentes poderão ser a primeira causa de morte global.  Ao contrário do surgimento de um novo vírus mortal, esta questão deverá crescer gradualmente, sendo que a perspetiva positiva desta notícia é que, com as medidas adequadas, ainda há tempo para mitigar os seus efeitos.

As superbactérias

Algumas bactérias são chamadas multirresistentes ou ‘superbactérias’ porque se tornaram resistentes a vários antibióticos. Estas superbactérias são de difícil tratamento e obrigam, geralmente, a internamento hospitalar. Para algumas delas apenas existe um ou dois antibióticos eficazes. Noutros casos, atualmente ainda não existe tratamento.

As nossas bactérias podem modificar-se quando tomamos antibióticos para tratar infeções ou consumimos repetidamente alimentos contendo antibióticos.

Sempre que as nossas bactérias ganham uma resistência, torna-se necessário recorrer a um antibiótico mais forte para combater a próxima infeção. Tal, por sua vez, potencia uma nova resistência, entrando num círculo vicioso.

Também podemos criar bactérias resistentes se contactarmos repetidamente com pessoas ou ambientes contaminados. Procedimentos ditos invasivos como a algaliação, entre outros, potenciam igualmente a criação de bactérias resistentes.

Ao viajarmos para certas zonas do planeta podemos também ficar com bactérias resistentes, mesmo que não sejamos internados. Por fim, podemos contrair essas bactérias se tivermos um contacto muito frequente com animais vivos que delas sejam portadores.

O que pode fazer para reduzir as bactérias resistentes?

  • Use antibióticos apenas e só quando receitados pelo médico, não os tome por iniciativa própria nem os peça ao seu farmacêutico sem receita do médico;
  • Tome sempre a dose indicada, respeitando meticulosamente o horário das tomas;
  • Não interrompa a toma do antibiótico mesmo que se sinta melhor, a infeção pode ainda estar ativa, apesar de os sintomas da doença já estarem atenuados. Faça sempre o tratamento até ao fim, conforme indicação do médico;
  • Não partilhe antibióticos com outras pessoas. Se sobrar medicamento após o tratamento recomendado (embora a dimensão da maioria das embalagens seja adequada ao número de dias em que é necessário tomar cada antibiótico, não o guarde para outra ocasião – entregue na sua farmácia);
  • Quando tiver febre, dor de cabeça ou garganta não tome logo antibióticos. A maioria das situações de febre são causadas por vírus e passam ao fim de 3 a 4 dias. Em caso de dúvida consulte o seu médico ou ligue para SNS24 – 808 24 24 24.
  • Cozinhe bem a carne e o peixe, não os deixando crus. O calor inativa os resíduos de antibióticos que neles possam existir. Lave bem os vegetais para eliminar possíveis resíduos neles existentes.
  • Lave bem as mãos antes das refeições, após utilização de casa de banho ou após contacto com superfícies de utilização pública ou após contacto com animais.
  • Nos hospitais, centros de saúde, unidades de diálise, centros de dia, lares e residências, lave sempre as mãos após contactar com doentes ou residentes ou com superfícies.
  • Garanta uma adequada higiene corporal e do vestuário, assim como adequados hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis.

Novas perspetivas em Portugal:

Dentro desta questão da resistência aos antibióticos, é sabido que, à medida que o ser humano envelhece, o seu sistema imunitário não só se torna mais fraco, como também vulnerável, o que aumenta o risco de contrair infeções. Neste âmbito, sem antibióticos eficazes, a qualidade de vida de que hoje usufruímos e a facilidade com que se tratam infeções comuns pode vir a ser cada vez menor.

Para além de todas as campanhas públicas, como a que a OMS leva a cabo anualmente sobre os perigos que corremos se não fizermos um uso adequado deste tipo de medicação, aplicando medidas à escala global, há muitos investigadores à procura de soluções.

Em Portugal, podemos citar o exemplo do Grupo MicroArt (Microbiology and Antibiotic Resistance Team) da Universidade de Trás-os-Mntes e Alto Douro, em Vila Real, que avaliou, num estudo (publicado na revista científica Food Control), o chamado perfil fenólico, bem como a capacidade antioxidante e antimicrobiana face a bactérias resistentes, das castas de uvas Preto Martinho e Touriga Nacional da Região Demarcada do Douro.

Os subprodutos da indústria do vinho são considerados materiais perigosos se não forem descartados adequadamente e têm sido utilizados como ração animal e fertilizante. No entanto, à medida que os estudos sobre subprodutos da indústria aumentaram, verificou-se que estes podem ter o potencial para serem utilizados em muitas outras aplicações devido ao seu conteúdo elevado e compostos bioativos, como é o caso dos compostos fenólicos. Os compostos bioativos presentes nestes subprodutos revelaram ser os responsáveis pela atividade antioxidante e antimicrobiana uma vez que estes são tanto maiores quanto maior a concentração em compostos fenólicos.

Os extratos dos subprodutos foram eficazes contra a maioria das bactérias multirresistentes e face a bactérias de origem alimentar. Assim, compostos fenólicos com origem em subprodutos podem representar um papel fundamental no desenvolvimento de novos antimicrobianos para combater as bactérias resistentes que assolam a humanidade, e, possivelmente, ser utilizados como conservantes naturais de alimentos.

Deve-se referir, no entanto, que o potencial antibacteriano destes subprodutos não significa que os compostos fenólicos possam, isoladamente, substituir os antibióticos. Devem, porém, assumir-se como um complemento para, em conjunto, com o antibiótico atuar de modo a que se possam utilizar concentrações mais reduzidas de antibióticos no tratamento do mesmo paciente. Além disso, os subprodutos da indústria possuem um elevado potencial antioxidante, assim como foi demonstrado neste estudo, que é responsável por preservar o sabor e a cor dos alimentos, bem como prevenir a perda de vitaminas e danos oxidativos nos sistemas vivos e exibe várias atividades fisiológicas benéficas, como auxílio na prevenção de doenças cardiovasculares, inflamatórias, cancerígenas, alérgicas e hipertensivas.

O grupo MicroArt encontra-se focado em encontrar alternativas aos antibióticos e encontra-se a desenvolver mais estudos em subprodutos da indústria vitivinícola de diferentes castas como também subprodutos de outras indústrias como do azeite e de frutos secos, incluindo a castanha, amêndoa e avelã, entre outros. Pretendem atrair a indústria farmacêutica (com quem têm parcerias já estabelecidas) a investir na área de forma a inserir no mercado produtos inovadores com eficácia comprovada e inócuos para o consumidor final.

Plano Nacional junta Ministérios da Saúde e Educação

A inclusão do problema da resistência aos antibióticos nos currículos escolares é uma das medidas previstas no Plano Nacional de Combate à Resistência aos Antimicrobianos 2019-2023. Para promover “uma melhor compreensão e consciência para a preservação destes fármacos”, o plano prevê a inclusão dos temas da terapêutica antimicrobiana e da Resistência aos Antimicrobianos (RAM) nos currículos escolares. Para isso, será reativado o projeto “e-bug em Portugal”, estabelecendo parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação, com inclusão de conteúdos específicos nos programas e manuais escolares.

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