A farmácia e a medicina no ocidente cristão
A Farmácia e a Medicina Monástica
O início do desenvolvimento da medicina e da farmácia monástica é marcado pela fundação em 529 do Mosteiro de Montecassino por São Bento (c. 480-544) e pela redação por este da Regula Benedicti, em que um dos capítulos estabelecia a necessidade de cuidar dos enfermos, com a existência de um local próprio e de um religioso dedicado a esse serviço. Com base nesta norma, surgiu a figura do irmão enfermeiro e das celas para enfermos, a que se seguiram as enfermarias, as boticas e os jardins botânicos. Esta prática levou também a que os livros de medicina e de farmácia ocupassem um papel importante nos scriptoria dos conventos, onde os monges copiavam e guardavam manuscritos. Os mosteiros de Montecassino e de Saint Gall destacaram-se como locais de cultura e prática médico-farmacêutica, onde para além da cura de enfermos se desenvolveram escolas médicas que atingiram o auge do seu prestígio em finais do século IX.
Os autores
Entre os autores religiosos que procuraram reunir os conhecimentos greco-latinos, compilando e traduzindo para latim os textos dos manuscritos antigos guardados nos mosteiros, destacam-se Cassiodoro, Isidoro de Sevilha e Hildegarde de Bingen. Cassiodoro Senator (c. 480-575) que foi prefeito de Teodorico, o Grande, fundou em 537 o mosteiro de Vivarium, na região da Calábria onde nascera, onde se desenvolveu uma escola médica monástica em que se traduziram e copiaram obras de autores greco-romanos como Hipócrates, Dioscórides, Galeno e outros. Cassiodoro escreveu um texto enciclopédico de história natural e aconselhou os religiosos a estudar a terapêutica pelas plantas medicinais. Isidoro de Sevilha (c. 560-636) foi bispo da cidade por cujo nome ficou conhecido. Para além de vários temas de religião, escreveu a obra enciclopédica Etymologiarum Libri XX, compendiando em vinte livros os conhecimentos do seu tempo sobre as artes e as ciências. Esta obra parece ter sido escrita para o ensino na escola fundada por Leandro, bispo de Sevilha e irmão de Isidoro, que este também dirigiu e que constituiu um importante centro de cultura. Alguns livros desta obra são dedicados à medicina, ao corpo humano, à história natural e à dietética. Isidoro de Sevilha atribui um lugar de destaque à medicina entre as artes liberais, o que levou o bispo Teodulfo de Orleans (f. 821) a proclamá-la como a oitava arte liberal, digna de ser ensinada nas escolas monásticas (nos próprios mosteiros) ou nas escolas episcopais ou catedralícias (em seminários), junto com as sete que constituíam o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia). A partir do século IX, a medicina começou a ser ensinada no quadrivium, integrada na Physica. Daqui foi originada a denominação de físicos, pela qual eram conhecidos os médicos na Idade Média. Além de outros autores religiosos que escreveram sobre medicina, destacaram-se ainda Hildegarde de Bingen (1098-1179), que foi abadessa do Convento beneditino de Disibodenberg e fundou o de Ruperstsberg, perto de Bingen. Escreveu textos sobre o uso medicinal de plantas, animais e vegetais e descrevendo as doenças e os seus medicamentos seguindo a ordenação denominada ab capitae ad calcem (da cabeça aos pés). Entre os aspetos que tornam a obra de Hildegarde singular destaca-se a sua atenção aos problemas do foro ginecológico, numa perspetiva que contrastava com a visão tradicionalmente negativa da mulher na cultura medieval.